fbpx
VISITA NUESTRO
NUEVO SITIO WEB

 

 

 

 

Posts @IPDRS

Audiência pública em Santarém (PA) reforça a fragilidade dos estudos de impacto ambiental da usina e destaca que empresas interessadas na obra estão sendo investigadas pela operação Lava Jato.

Para não repetir as violações de direitos e os impactos ambientais, a exemplo dos que continuam ocorrendo em meio ao processo de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, na região do Xingu, em Altamira (PA), o Ministério Público Federal (MPF) do estado convidou organizações da sociedade civil, representantes de órgãos públicos, acadêmicos, movimentos sociais, além de povos tradicionais e acadêmicos, para participar de audiência pública realizada na última sexta-feira (29), em Santarém (PA), e debater os impactos ambientais e sociais dos projetos de aproveitamento hidrelétrico do rio Tapajós, com destaque para a Usina Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós. Mais de 500 pessoas lotaram o auditório. 

A população presente ouviu lideranças indígenas, entidades não governamentais, cientistas e pesquisadores. Um grupo de estudantes da Universidade Federal do Pará (UFPA) chegou a pedir a transferência da audiência para outro local, já que muitas pessoas ficaram do lado de fora por falta de espaço. Mesmo com altíssimo interesse da sociedade, o governo fugiu do debate:  a Eletrobras, o Instituto do Meio Ambiente (Ibama), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Ministério do Minas e Energia e a Fundação Nacional do Índio (Funai) não enviaram representantes. 

Para Luis Boaventura, Procurador da República e mediador da audiência, as ausências apenas reforçam o processo de licenciamento da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós está sendo atropelado. Disse ainda que o governo está sendo conivente com empresas investigadas por corrupção. Segundo o procurador, oito de nove corporações interessadas no processo de licenciamento da usina no Tapajós são alvos diretos da Operação Lava Jato da Polícia Federal. Muduruku e beiradeiros Outros riscos eminentes envolvem a destruição de cemitérios indígenas, sítios arqueológicos e lugares sagrados às populações locais, como a Terra Indígena (TI) Sawré Muybu, do povo Munduruku, causando o que a arqueóloga Bruna Rocha classificou de “invalidação cultural”. O Cacique Geral do Povo Munduruku Arnaldo Kabá Munduruku disse que seu povo sabe que a barragem vai levar problemas. “Vai trazer dor e sofrimento para meu povo, vai trazer muita doença. Nós estamos sofrendo muito. Eu não estou defendendo só meu povo, mas todo o povo do Brasil”, declarou. Os Munduruku temem que 7% da TI Sawré Muybu sejam inundados pelo reservatório de São Luiz do Tapajós. 

Assessor jurídico do MPF, o advogado Rodrigo Oliveira denunciou o descumprimento das determinações judiciais que condicionam o licenciamento à realização da Consulta Livre, Prévia e Informada das comunidades tradicionais diretamente impactadas. “O governo queria consultar 13 mil indígenas Munduruku em três meses. Os Munduruku não aceitaram uma consulta em tão pouco tempo. O governo, então, afirma em documentos oficiais que os índios não querem ser consultados”, disse. Além de reivindicar a consulta prévia em seu território, os Munduruku também exigem que o governo federal garanta o direito à consulta a outros povos isolados, como os Apiaká e os Kayabi, e ainda a ribeirinhos que também poderão ser atingidos pelas barragens no rio Tapajós, como os das comunidades Montanha e Mangabal, Pimental e São Luiz. A demarcação da TI Sawré Muybu é outro ponto da reivindicação do Protocolo Munduruku [²]. Isso porque, desde agosto de 2015, a Fundação Nacional do Índio (Funai) deixou de cumprir a sentença judicial que ordenava o prosseguimento da demarcação deste território. À época, uma gravação da fala da presidenta da Funai, Maria Augusta Assirati, feita pelos próprios indígenas e  incluída nos altos do processo, registrou que a demarcação só estava paralisada por pressão do setor elétrico do governo federal. Por descumprir a decisão, a Justiça Federal de Itaituba (PA) multou a Funai em R$ 3 mil por dia. Assim como os indígenas, os beiradeiros de Montanha e Mangabal, comunidades no oeste do Pará, apresentaram seu protocolo de consulta [³]. Morando à beira do rio Tapajós, eles também reivindicam que os moradores de outras comunidades, como Mamãe-Anã, Penedo, Curuçá, Pimental, São Luiz, Vila Rayol, bem como os indígenas das aldeias Chico Índio, Terra Preta (Apiaká), e ainda os Munduruku, possam ser consultados antes de qualquer projeto que possa afetar seus modos de vida. “O governo não pode consultar as famílias separadamente, queremos ser consultados juntos. Nunca nos sentimos à vontade com as conversas em separado feitas por representantes do governo ou de empresas. Sabemos que nossos direitos não são favores. Por isso, não adianta o governo nos prometer nada em troca de aceitarmos sua proposta. O governo também não pode nos consultar quando já tiver tomado uma decisão: temos direito à consulta prévia”, destaca trecho do Protocolo. Estudos Diversas são as pesquisas que apontam os impactos sobre o ecosistema e as consequências negativas que irão sofrer os povos tradicionais e a população local com a barragem no rio Tapajós. Entre os dados compartilhados durante a audiência pública, estão os estudos de Philip Martin Fearnside, doutor em Ciências Biológicas e um dos ganhadores do Prêmio Nobel da Paz em 2007, por chamar a atenção do mundo para os riscos do aquecimento global. 

Em 2015, o grupo de especialistas do qual Fearnside integra publicou uma avaliação crítica do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Sobre o Meio Ambiente (EIA/Rima) do aproveitamento hidrelétrico São Luiz do Tapajós. Autor de “Hidrelétricas na Amazônia: impactos ambientais e sociais na tomada de decisões sobre grandes obras“, o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) esteve na companhia de outros representantes do MPF e demais especialistas, que também apresentaram irregularidades no licenciamento e falhas e omissões nos estudos ambientais da Usina de Belo Monte.

Para Sara Pereira, educadora do programa da FASE na Amazônia, este é um momento importante para que os povos indígenas, assim como os pescadores, ribeirinhos, agroextrativistas, estudantes, organizações de mulheres, organizações populares urbanas, sindicais e religiosas possam somar esforços para demonstrar que os projetos de usinas hidrelétricas na Amazônia causam danos irreversíveis ao meio ambiente e aos povos da região. “As barragens no Tapajós vão causar não somente a morte do rio, da floresta, mas também a morte da vivência comunitária harmoniosa, das relações com os sagrados espíritos da natureza. A morte das tradições culturais e da dignidade dos povos amazônidas”, pontua.

Ao fim da audiência pública, o Secretário de Meio Ambiente de Santarém, Podalyro Neto, anunciou que a prefeitura da cidade solicitará à Justiça Federal medida liminar que impeça o Ibama de emitir parecer sobre o EIA/RIMA de São Luiz do Tapajós até que sejam realizados estudos mais aprofundados sobre os impactos à jusante. Um documento assinado pelo prefeito e pelo secretário formalizando o pedido foi entregue ao Procurador Luis Boaventura.


[¹] Com informações das matérias de Élida Galvão, do Fundo Dema, do site do Greenpeace e do MPF.

[²] A construção do Protocolo de Consulta Munduruku é resultado do trabalho coletivo no ‘Projeto Consulta prévia, livre e bem informada: um direito dos povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia’ e pelo Ministério Público Federal, e que contou ainda com o apoio da FASE, do Fórum da Amazônia Oriental (FAOR), Fundação Ford, Conselho Indígena Missionário (Cimi), Nova Cartografia Social e Greenpeace.

[³] O direito à consulta prévia é garantido na Convenção 169. Assim como o Protocolo dos Munduruku, a construção do Protocolo de Consulta dos beiradeiros foi elaborada pelos participantes do ‘Projeto Agroextrativista Montanha e Mangabal’, realizado pela Associação de Moradores das Comunidades Montanha e Mangabal com o apoio do MPF e diversas organizações da sociedade civil, entre elas a FASE.